Não gosto de prazos, fui ensinada a conviver diariamente com eles, a precisá-los, consultá-los, construir a vida ao seu redor. E não gosto não porque os perco, mas porque me lembram de coisas que desgosto ainda mais, como ansiedade e controle.
Acompanhada da ansiedade, tenho 11 dias para entregar o conteúdo que agora escrevo – mas que, óbvio, já toma conta do meu pensamento há muito mais tempo. E, sempre querendo ter controle, me pergunto o que seria o prazo se não uma afirmação pretensiosa de que controlamos a realidade – isso vai acontecer e será nesse dia, independente de qualquer coisa, porque sim. Mas esse texto não é sobre os desagrados, pelo contrário, linha morta, vamos lá.
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Reuniões e almoço da semana na segunda, terça parece um bom dia para escrever. Acordo, passo um chá, retomo a tentativa que se arrasta há dias de escolher um assunto para falar, nada. Pergunto ao Fábio, amigo e colega de trabalho responsável pelo blog, uma ideia de assunto.
– Fala de algo que você gosta.
Que? Não poderia ser mais fácil? O que tem despertado meu desmotivado interesse? O que tem me dado felicidade nesses dias tão difíceis?
Distanciamento alheio e proximidade comigo, nunca estive mais preenchida de mim, tão estudada, analisada, na observação de quem quer muito compreender. Ler a prova toda antes de marcar as alternativas, reler para interpretar, às vezes em voz alta para sentir os pontos, como também os de vista, todos de mim mesma. É sublinhar, passar a borracha e ver que estava suja. Não há borracha.
De todas as coisas que ouvi dizer sobre autoconhecimento, simplicidade foi uma que não saiu da cabeça. E acredito, olhar para mim mesma me faz entender o que é essencial e, tudo que não o for, é justamente tudo aquilo que não precisa ser – logo, para quê?
Me deparei com um conceito criado pelo escritor Duane Elgin chamado “simplicidade voluntária” um estilo de vida onde conscientemente você vai buscar o que é fundamental e essa descoberta leva a respostas que desafiam a riqueza material, o consumo. Aqui, nada tem a ver com a pobreza (involuntária e sistemática), tampouco com carência, isolamento ou um existir simplório. É muito menos sobre dificuldade e mais sobre solidariedade. O que importa não precisa importar só para você, pode somar à comunidade, ao ambiente, à natureza, aos animais. A vida simples é uma vida suficiente, será que paramos de ver o adjetivo dessa palavra?
Elgin propôs um norte comportamental, começando com a simplicidade material*: optar* por consumir bens de maior durabilidade e eficiência, para consequentemente precisar consumir menos. Em paralelo, outro exercício, a priorização de itens manufaturados ao invés de industrializados, o que gera um terceiro aspecto, a consciência e conservação de recursos.. Outra sugestão é maior autossuficiência, por exemplo, plantar, cozinhar, se locomover por meios alternativos, qualquer atividade, mesmo que mínima, que garanta mais autonomia na sua rotina. E por fim, crescimento pessoal, voltado às suas vivências e reflexões interiores. Aspectos, na minha condição social, possíveis e no meu estado atual, ainda transitórios.
Depois de grandes crises econômicas, sanitárias e até pessoais, é um padrão de comportamento muito observado buscar uma vida de maior frugalidade, muitos retornam ao campo, outros tantos revisitam valores e prioridades e, para mim, durante a pandemia e paralelamente aos acessos ao meu eu – estou ficando sem sinônimos para isso de olhar para dentro – não foi diferente. Fui apresentada a conceitos como slow fashion, minimalismo, downshifting, destralhe, parei para ouvir pela primeira vez histórias que as roupas com avaria, aquelas que viveram, me contam e tudo isso, de alguma maneira, foi luz na relação comigo mesma. O vazio que as compras preenchem, o local que o celular ocupa, a ansiedade que vem das redes sociais, são inúmeros exemplos e também indicativos que talvez não esteja tudo tão normal com a vida que levamos.
E nessa, vi também que armário cápsula não é para todo mundo, que tenho mais do que branco na minha paleta, que comprar de uma marca é mais do que consumir, é apoiar o que ela defende e pensar se eu quero apoiá-la! E mais, que um objeto, coisa material que pode ser concebida pelos sentidos, não precisa ter só utilidade, e essa pode ficar menor se ele tem sentimento.
A proposta é olhar um pouco para suas relações, aquela com você, com os outros, com o consumo, e se fizer sentido, buscar agir de forma mais cooperativa com sua volta. É um processo que escolhi quando tive de lidar, quando precisei atravessar a dificuldade que era estar no agora e precisei fazer dela, da presença de mim, um lugar suficiente, satisfatório. Hoje conheço mais a diferença daquilo que tenho e aquilo que me tem e sigo caminhando, mesmo que ainda só internamente.
“Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã.”
Ailton Krenak.
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Essa conversa veio fruto de um estudo sobre a simplicidade, proporcionada pelo conteúdo de Bruna Matos, seu documentário O que realmente importa, bem como seu blog umavidamaissimples.com.br e seu podcast “Uma vida mais simples & outra coisas”; do podcast vegano feminista Outras Mamas de Barbara Miranda e Thais Goldkorn; da leitura do livro “O Amanhã não está a venda” de Ailton Krenak, ambientalista e líder indígena dos Krenak, que vivem às margens do rio Doce, em Minas Gerais. Da entrevista doMárcio Mendes sobre ter uma vida simples com Mário Sérgio Cortella, do conceito de simplicidade voluntária do Duane Elgin, do artigo “SIMPLICIDADE VOLUNTÁRIA: ESCOLHENDO UMA NOVA FORMA DE VIVER” de Renata Céli Moreira da Silva Doutora em Administração, PUC-RJ e Luis Fernando Hor-Meyll Doutorado em Administração pela UFRJ, professor PUC-RJ e da resenha de Guilherme dos valores reais sobre o livro do Elgin.
*Esse texto reflete a opinião da pessoa autora e não necessariamente da 99Hunters