Sabe aquela ideia de que você escolhe alguém para conversar propositalmente porque sabe o que quer ouvir? Meio quando você vai pedir um conselho para fulano inconscientemente porque sabe que sicrano teria outra abordagem? E mesmo em uma conversa onde a opinião é contrária, essa mesma se torna determinante para o futuro da relação de vocês?
Esses dias eu estava pensando sobre esses assuntos que, de novo, sem perceber, eu puxo com alguém a fim de conhecê-la melhor, mesmo sendo pessoas que já convivo. É quase como se ouvir o pensamento alheio sobre o que acham de horóscopo, fosse dar mais luz a relação que vamos estabelecer ou que, em alguns casos, não vamos.
Só que é de uma tal forma que eu não busco concordância, mas consenso, porque sei que muito aprendizado está na aceitação das duas partes sobre ser, justamente, duas partes. É óbvio que tem uns assuntos mais sensíveis para cada um, que dialogam com sua moral e aí não dá outra, sem aceitação, xô, xau, fora! Percebi então que está nessa troca um caminho para descobrir ainda mais os temas que são do meu interesse, as minhas ideologias e o que é de fato importante para mim, afinal, se isso tudo é uma determinante na presença maior ou menor de alguém na minha vida, jackpot.
Um dos assuntos que sempre aparece nas minhas investigações é entender o que o outro pensa sobre as relações de trabalho. Se é por meio deste que o ser humano produz os meios para manter-se vivo nesse mundo que temos, em pandemia eu não poderia ter pensado mais sobre essa sobrevivência. Portanto, pude concluir, e pude porque tem gente que não pode, que eu quero mais do que isso, quero um trabalho que me mantenha viva porém bem vivendo, mantenha-me sã e mantenha-me eu. E sou gregária, preciso de trocas, afinidades, coletivo. Entende porque essa reflexão veio na pandemia?
Daí que decidi falar hoje sobre relações de trabalho, mas brinquei um pouco com a língua. (opa já viu o texto sobre linguagem aqui no blog?) Para alívio de quem está cansado de me ouvir criticar, não vamos falar do sistema…ainda. Quero conversar sobre uma relação de pessoas que trabalham juntas.
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Você já pensou na trilha que seu pensamento percorre até chegar na admiração que tem por alguém? Como surge uma parceria, uma amizade? Meu processo pelo menos se inicia em conhecer, identificar, experimentar. E olha que eu nem sou tão racional como possa parecer, porém, quando estou entrando em um novo ambiente de trabalho, em uma nova equipe, é importante me sentir pertencente, vincular e sim, poder ser vulnerável, mesmo que seja para uma só pessoa. Não é sobre admiração que você tem pelo seu líder ou sobre piadas internas de time, é MAIS que isso. É sobre ter aquela pessoa ocupando uma parcela tão expressiva da nossa rotina, é sobre ter um amigo no trabalho.
A pandemia me tirou os espaços onde essas amizades surgiam com mais facilidade. Eu costumava conhecer as pessoas que trabalhavam comigo quando íamos almoçar, quando falávamos da nossa marmita ou quando achávamos um lugar de gosto comum para ir. Eu me identificava com elas na espontânea padaria da frente, onde estava aquela única cerveja que virava várias. Tínhamos as comemorações improvisadas de aniversário, a segunda que virava o jornal de notícias do fim de semana e a valiosa experiência adquirida em perceber quando alguém não está muito bem. Como ter isso de volta? Como substituir a alegria desses respiros em uma rotina que tanto cansa?
Hoje, 2021 de pandemia, minhas amizades dentro do trabalho foram criadas e fortalecidas no reconhecimento de que o outro muitas vezes está em mim. Que talvez eu não seja a única pessoa da empresa ansiosa, que tem dificuldades para dar conta da casa-plantas-trabalho-comida-lavar cabelo. Sobra identificação.
Isolada me sinto invisível para um mundo que parece não passar e alguém me perceber, mesmo que por uma reunião em tela, mesmo que no grupo do whatsapp e exercitar isso pela gentileza, pela ajuda, desafoga pressões e abre caminho para que eu também queira enxergá-la. A troca nasceu e com ela vai crescendo a confiança. Agora já não temos mais tantos almoços, litrões, lives ou chats, mas temos a força do cuidado e o impacto transformador que o acolhimento causa nesse ambiente desambientado.
Assim como todo exercício, pratico quando dá, mas sei que me faz bem
Escuta
Olhar atento
Gentileza
Me ver no outro
Acreditar que vai passar.
Obrigada amigos que fiz onde a premissa era manter-me viva. Alguns de vocês não tenho mais contato, outros foram para além do escritório, mas todos do seu jeitinho me ajudaram para além de sobreviver.
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Leitura que antecedeu a escritaRODRIGUES, Lucas de Oliveira. “As relações de trabalho e a sociedade”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/o-trabalho-futuro.htm. Acesso em 11 de fevereiro de 2021.
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